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Descontos Indevidos no Benefício Previdenciário: Como Identificar e o que Fazer?

  • Foto do escritor: Vanessa Miranda
    Vanessa Miranda
  • 19 de ago.
  • 6 min de leitura

Entre as situações mais recorrentes que vêm sendo identificadas pelos tribunais brasileiros, destacam-se três grandes grupos de problemas. O primeiro envolve empréstimos consignados não autorizados, onde valores são debitados de contratos que o beneficiário nunca assinou ou sequer conhece. Essa prática tem se tornado infelizmente comum, especialmente envolvendo pessoas idosas que têm seus dados pessoais utilizados indevidamente.


O segundo grupo engloba cobranças de associações ou sindicatos por filiações que nunca existiram ou foram feitas sem o consentimento do beneficiário. Muitas vezes, essas entidades alegam ter autorização para os descontos, mas não conseguem apresentar documentação que comprove a contratação legítima.


Por fim, há um crescimento preocupante de fraudes sistemáticas, onde criminosos utilizam dados pessoais roubados para realizar contratações fictícias. Essas operações fraudulentas são cada vez mais sofisticadas e podem passar despercebidas por meses antes de serem descobertas pelo beneficiário.


Fundamentação Jurídica: Seus Direitos Estão Protegidos

O ordenamento jurídico brasileiro oferece proteção robusta contra essas práticas abusivas. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, garante a inviolabilidade do direito de propriedade, o que inclui a proteção contra descontos não autorizados nos benefícios previdenciários. Além disso, o artigo 6º estabelece a seguridade social como direito social fundamental, reforçando a importância da proteção desses recursos.

A Lei nº 10.820/2003, que regulamenta o empréstimo consignado, estabelece regras claras sobre os limites de desconto. Atualmente, a soma dos descontos não pode ultrapassar 35% do valor do benefício, sendo que 5% são reservados exclusivamente para cartão de crédito consignado. Isso significa que, para empréstimos consignados tradicionais, o limite é de 30% do benefício líquido.


O Código de Defesa do Consumidor (CDC) também oferece proteção importante. Seu artigo 39, inciso III, proíbe práticas abusivas, incluindo a cobrança de valores sem causa que as justifique. Já o artigo 42 estabelece o direito à repetição do indébito em dobro quando há cobrança indevida com má-fé.


Sinais de Alerta: Como Identificar o Problema

É essencial estar atento a indícios que podem revelar a presença de descontos irregulares. O primeiro sinal é uma redução inesperada no valor líquido do benefício. Todo beneficiário deve conhecer o valor que costuma receber e ficar atento a qualquer variação não explicada.

Outro indicativo importante são valores que não constam em contratos formalmente firmados. Se você não se lembra de ter assinado um contrato de empréstimo ou filiação a alguma entidade, mas há descontos relacionados, isso é um sinal claro de irregularidade.

A dificuldade para identificar a origem do desconto no extrato de pagamento do INSS (conhecido como HISCRE - Histórico de Créditos Bancários) também deve chamar a atenção. Todos os descontos devem estar claramente identificados, e se há códigos ou siglas incompreensíveis, vale a pena investigar.

Por fim, barreiras para obter informações ou cancelar descontos junto ao banco ou entidade envolvida são red flags importantes. Empresas legítimas sempre fornecem informações claras sobre contratos e processos de cancelamento.


Jurisprudência: O que Dizem os Tribunais

Os tribunais brasileiros têm jurisprudência consolidada sobre empréstimos consignados não contratados. Como estabelece um acórdão do Tribunal de Justiça: "Empréstimo consignado contratado mediante fraude. Responsabilidade civil objetiva por falha de segurança bancária. Perícia judicial realizada confirmando que o contrato de empréstimo consignado não havia sido firmado pela demandante. Desconto não autorizado. Fraude de terceiro que não afasta o dever de indenizar".


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento específico sobre danos morais em casos de fraude bancária: "A fraude bancária, ensejadora da contratação de empréstimo consignado, por si só, não é suficiente para configurar o dano moral, havendo necessidade de estar aliada a circunstâncias agravantes". Isso significa que cada caso deve ser analisado individualmente, considerando o impacto específico na vida do beneficiário.


Sobre a repetição do indébito, os tribunais têm aplicado o entendimento de que "A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva".


O que Fazer se Identificar um Desconto Indevido

Se você percebeu qualquer irregularidade, é importante agir rapidamente e de forma organizada. O primeiro passo é analisar detalhadamente todos os extratos previdenciários para confirmar a origem e natureza dos descontos. Compare os valores atuais com extratos anteriores para identificar quando o desconto começou.


Em seguida, registre reclamação junto ao INSS através do telefone 135 ou pelo site/aplicativo Meu INSS. Também procure a instituição financeira ou entidade responsável pelo desconto para solicitar esclarecimentos e o cancelamento imediato.


É fundamental reunir todas as provas possíveis: extratos bancários, comprovantes de pagamento, protocolos de atendimento, e-mails, e qualquer outra documentação que possa comprovar a irregularidade. Essa documentação será essencial caso seja necessário recorrer ao Judiciário.


Por fim, busque apoio jurídico especializado. Um advogado com experiência em direito previdenciário e do consumidor pode orientar sobre as melhores estratégias, incluindo a possibilidade de ingressar com ação de repetição de indébito (devolução em dobro dos valores pagos indevidamente) e pedido de indenização por danos morais.


Ações Judiciais Possíveis

Quando as tentativas de resolução administrativa não funcionam, o Judiciário oferece várias opções. A ação de repetição de indébito permite recuperar os valores pagos indevidamente, e em muitos casos, essa devolução pode ser em dobro quando há má-fé ou conduta contrária à boa-fé objetiva.


A ação de indenização por danos morais também é cabível, especialmente considerando que beneficiários previdenciários estão em situação de vulnerabilidade. Os valores de indenização variam conforme o caso, mas jurisprudência recente tem fixado montantes entre R$ 5.000 e R$ 15.000 para situações envolvendo descontos indevidos em benefícios previdenciários.


Para casos urgentes, é possível solicitar tutela de urgência para cessação imediata dos descontos enquanto o processo tramita. Essa medida é especialmente importante quando os descontos comprometem significativamente a subsistência do beneficiário.


Para valores até 40 salários mínimos, o Juizado Especial é uma opção interessante, pois até 20 salários mínimos não há necessidade de advogado, e o processo costuma ser mais rápido. Beneficiários que recebem até 2 salários mínimos têm direito à justiça gratuita.


Por que Não Ignorar Valores Aparentemente Pequenos

Muitos beneficiários pensam que descontos mensais de baixo valor não justificam medidas legais, mas essa percepção está equivocada. Um desconto de R$ 50 mensais, por exemplo, representa R$ 1.200 em dois anos. Se houver direito à repetição em dobro, isso significa R$ 2.400, sem contar os danos morais que podem chegar a R$ 10.000 ou mais.


Além do aspecto financeiro, há o princípio da dignidade da pessoa humana. Para beneficiários que dependem exclusivamente da renda previdenciária, qualquer redução indevida compromete necessidades básicas como alimentação, medicamentos e moradia. O combate a essas práticas também tem efeito pedagógico importante, desestimulando empresas e organizações a adotarem condutas abusivas.


Cada caso levado ao Judiciário contribui para fortalecer a jurisprudência protetiva e criar precedentes que beneficiam todos os beneficiários da Previdência Social. É uma questão de justiça social que vai muito além do valor individual envolvido.


Medidas Preventivas

A prevenção é sempre o melhor remédio. Verifique mensalmente seus extratos bancários e previdenciários, compare com meses anteriores e mantenha arquivo organizado de toda documentação contratual. Nunca forneça dados pessoais para pessoas ou empresas não identificadas, e seja especialmente cauteloso com ligações telefônicas oferecendo empréstimos "pré-aprovados".


Monitore seu CPF periodicamente através de consultas aos órgãos de proteção ao crédito (SPC, Serasa) para identificar movimentações suspeitas. Considere participar de grupos de orientação a idosos em sua comunidade e mantenha contato regular com advogado especializado em direito previdenciário.


Considerações Finais

Descontos indevidos em benefícios previdenciários não são apenas um incômodo financeiro, mas representam uma violação direta dos direitos fundamentais dos beneficiários. O ordenamento jurídico brasileiro oferece proteção robusta através da Constituição Federal, leis específicas como a do empréstimo consignado e o Código de Defesa do Consumidor, além de jurisprudência consolidada dos tribunais superiores.


A legislação estabelece limites claros para descontos (máximo de 35% do benefício, sendo 30% para empréstimos), procedimentos específicos para contratação de empréstimos consignados, e penalidades severas para práticas abusivas. Os tribunais têm se mostrado sensíveis à vulnerabilidade dos beneficiários, especialmente idosos, criando precedentes favoráveis à reparação integral dos danos.


É fundamental que os beneficiários mantenham vigilância constante sobre seus extratos, conheçam seus direitos e não hesitem em buscar reparação quando identificarem irregularidades. Independentemente do valor envolvido, cada caso é importante não apenas para a recuperação de recursos individuais, mas para o fortalecimento de uma cultura de respeito aos direitos dos beneficiários da Previdência Social.


A preservação da renda previdenciária é, em última análise, a preservação da própria dignidade humana. E isso é uma causa que merece todo o amparo legal e social disponível em nosso sistema jurídico. Lembre-se: você não está sozinho nessa luta, e existem instrumentos legais eficazes para proteger seus direitos e garantir que sua aposentadoria ou pensão seja respeitada integralmente.

 
 
 

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