Salário-maternidade com apenas 1 contribuição? Entenda a nova regra do STF e seus direitos
- Vanessa Miranda

- 21 de nov.
- 8 min de leitura
Essa é uma dúvida muito comum entre trabalhadores e trabalhadoras rurais que sempre atuaram de forma informal — sem registro em carteira e sem contribuir mensalmente para o INSS através de guias (GPS). A boa notícia é que sim, é possível se aposentar! E esse direito está garantido pela Constituição Federal e pela legislação previdenciária.
Aposentadoria Rural: Um Direito de Quem Vive do Campo
A aposentadoria rural é um benefício garantido pela Lei 8.213/91 (arts. 11, VII, 39, I e II, 48, §§1º e 2º) e pelo art. 201, §7º, II da Constituição Federal, destinado a trabalhadores e trabalhadoras do campo que exercem suas atividades em regime de economia familiar.
Quem tem direito?
São considerados segurados especiais (art. 11, VII da Lei 8.213/91):
Agricultores familiares que trabalham em pequenas propriedades (até 4 módulos fiscais)
Pescadores artesanais que fazem da pesca sua principal fonte de renda
Seringueiros e extrativistas que trabalham com produtos da flora nativa
Cônjuges e filhos maiores de 16 anos que trabalham com a família em regime de economia familiar
Indígenas reconhecidos pela FUNAI que exercem atividade rural
Boias-frias e trabalhadores volantes (conforme interpretação jurisprudencial)
Regime de economia familiar significa que a família trabalha na terra para sua própria subsistência, podendo ter eventual ajuda de terceiros e pequena comercialização da produção, sem utilização de empregados permanentes (§1º do art. 11 da Lei 8.213/91).
A diferença fundamental:
Ao contrário dos trabalhadores urbanos, o segurado especial não precisa contribuir mensalmente para o INSS. O que ele deve comprovar é o exercício efetivo da atividade rural durante o período exigido. Isso está previsto no art. 39, I da Lei 8.213/91 e no art. 143 da Instrução Normativa INSS 128/2022.
Quais São os Requisitos Legais?
Para ter direito à aposentadoria por idade rural, é necessário cumprir os seguintes requisitos:
1. Requisito etário (art. 48, §1º da Lei 8.213/91):
60 anos para homens
55 anos para mulheres
Importante: Essa idade reduzida (5 anos a menos que a urbana) é uma garantia constitucional que reconhece as condições mais duras do trabalho no campo (art. 201, §7º, II da CF/88).
2. Carência mínima (art. 25, II e art. 142 da Lei 8.213/91):
180 meses (15 anos) de exercício de atividade rural comprovada
Pode ser descontínua (não precisa ser seguida)
Pode ser somada com períodos urbanos, se houver contribuições
3. Qualidade de segurado especial:
Estar exercendo atividade rural na data do requerimento (DER) OU
Estar dentro do período de graça (art. 15, II da Lei 8.213/91 - até 12 meses após cessar a atividade)
Como Comprovar a Atividade Rural? A Questão das Provas
A comprovação do tempo de atividade rural é o ponto mais crítico e onde ocorrem a maioria das negativas do INSS. A legislação estabelece regras específicas para essa comprovação.
Base legal da comprovação:
Art. 106 da Lei 8.213/91:
"A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: [documentos que atestem o exercício de atividade rural]"
Art. 62, §2º do Decreto 3.048/99:
"A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal."
Princípio fundamental: INÍCIO DE PROVA MATERIAL + PROVA TESTEMUNHAL
A jurisprudência pacífica do STJ e dos Tribunais Regionais Federais estabelece que:
É necessário início de prova material (documentos em nome próprio ou do núcleo familiar)
A prova material pode ser complementada por prova testemunhal
Não se exige prova robusta de todo o período, mas documentos que, em conjunto, demonstrem a atividade rural
Súmula 149 do STJ:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário."
Tema 638 do STJ (REsp 1.352.721):
Permite a utilização de documentos em nome de membros do grupo familiar como início de prova material, desde que comprovado o vínculo familiar e o trabalho em regime de economia familiar.
Documentos Aceitos Como Início de Prova Material
Conforme o art. 143 da IN 128/2022 do INSS, são aceitos os seguintes documentos:
1. Documentos fundiários:
Contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural
Escritura pública de propriedade rural
Certidão de imóvel rural (ITR - Imposto Territorial Rural)
CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural)
Recibos de pagamento de aforamento
2. Documentos fiscais e comerciais:
Notas fiscais de entrada/venda de produção rural (Blocos de Produtor Rural)
Declaração do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)
Comprovante de cadastro no PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)
Comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social (facultativo, mas reforça a prova)
3. Documentos sindicais e associativos:
Declaração de sindicato de trabalhadores rurais (com a respectiva ata de assembleia)
Certificado de cadastro no sindicato
Declaração de associação/cooperativa de produtores rurais
Ficha de associado em colônia de pescadores (registro no MPA)
4. Documentos civis e públicos:
Certidão de casamento onde conste a profissão de agricultor/lavrador
Certidão de nascimento dos filhos onde conste a profissão dos pais como agricultor
Histórico escolar dos filhos (de escola rural, constando profissão dos pais)
Fichas de atendimento médico/hospitalar em postos rurais
Comprovante de cadastro em programas sociais rurais (Pronaf, Luz Para Todos, etc.)
5. Documentos complementares:
Certificado de Reservista com profissão de lavrador
Título de eleitor com zona rural
Comprovante de recebimento de financiamento rural
Carteira de vacinação de animais
Fotos antigas do trabalho no campo (valor probatório complementar)
Importante sobre documentos em nome de terceiros:
Conforme jurisprudência consolidada (TNU - Tema 106 e STJ - Tema 638):
Documentos em nome do cônjuge ou de membros do grupo familiar podem ser utilizados
É necessário comprovar o vínculo familiar (certidão de casamento, nascimento)
É necessário demonstrar o regime de economia familiar (toda família trabalhava junto)
Prova testemunhal é essencial para conectar os documentos ao trabalho efetivo
Períodos de Tolerância: Situações Especiais
A legislação e a jurisprudência reconhecem que pode haver intervalos na documentação:
1. Lacunas documentais (TNU - Tema 106):
Pequenos períodos sem documentação podem ser tolerados
Se há documentos no início, meio e fim do período, presume-se continuidade
A coerência da prova testemunhal é fundamental para preencher lacunas
2. Atividades concomitantes urbanas (TNU - Tema 99):
Trabalho urbano esporádico (bico) não descaracteriza a condição de segurado especial
Limite: não pode ser emprego urbano formal prolongado
Necessário demonstrar que a atividade principal continuou sendo a rural
3. Afastamentos justificados:
Período de internação hospitalar
Cumprimento de serviço militar
Períodos de seca/enchente comprovados
Por Que Tantos Pedidos São Negados?
O índice de negativas na aposentadoria rural é alto. Os principais motivos são:
1. Documentação insuficiente:
Poucos documentos apresentados
Documentos que não cobrem todo o período exigido
Falta de documentos em nome próprio (quando exigível)
2. Provas contraditórias:
CNIS (Cadastro de Informações Sociais) mostra vínculos urbanos prolongados
Declaração de Imposto de Renda como profissional urbano
Cadastros em programas urbanos
3. Prova testemunhal frágil:
Testemunhas inseguras ou com informações imprecisas
Testemunhas que não conheceram todo o período alegado
Contradições entre testemunhas e documentos
4. Grupo familiar com empregados:
Presença de empregados permanentes descaracteriza o regime de economia familiar
Atividade em área superior a 4 módulos fiscais
5. Falta de preparo técnico:
Pedido feito sem análise prévia da viabilidade
Documentação mal organizada
Ausência de estratégia jurídica adequada
Estratégias para Aumentar as Chances de Êxito
Na esfera administrativa (INSS):
1. Análise prévia rigorosa:
Verificar se há documentação mínima suficiente
Avaliar lacunas e buscar documentos complementares
Identificar possíveis pontos de fragilidade
2. Organização da documentação:
Elaborar linha do tempo com todos os documentos
Agrupar documentos por tipo e período
Destacar documentos mais relevantes
3. Preparação de testemunhas:
Escolher testemunhas que conheceram o trabalho rural
Orientar sobre a importância de respostas claras e coerentes
Preferencialmente, testemunhas que não sejam parentes próximos
4. Justificação administrativa:
Quando faltar documentação, é possível fazer justificação administrativa (art. 142, §3º da Lei 8.213/91)
Produção de prova testemunhal perante o INSS
Importante: só é deferida com início de prova material
Na esfera judicial:
1. Ação judicial previdenciária:
Competência: Justiça Federal (art. 109, I da CF/88)
Possibilidade de uso dos Juizados Especiais Federais (causas até 60 salários-mínimos)
Produção de prova testemunhal em audiência
Possibilidade de inspeção judicial na propriedade rural
2. Vantagens da via judicial:
Juiz pode valorar provas de forma mais flexível que o INSS
Possibilidade de tutela de urgência (recebimento imediato, art. 300 CPC)
Produção de provas sob contraditório
Jurisprudência geralmente favorável ao trabalhador rural (princípio in dubio pro misero)
3. Precedentes importantes:
TNU - Tema 106:
Admite documentos em nome do cônjuge/grupo familiar como início de prova material.
STJ - REsp 1.785.830:
Reconhece que pequenas lacunas documentais não impedem o reconhecimento, se houver provas consistentes nos períodos anterior e posterior.
TRF4 - Súmula 27:
"A prévia filiação de trabalhador rural ao sistema previdenciário, na qualidade de contribuinte individual, não obsta a concessão de aposentadoria por idade rural, desde que comprovado o efetivo exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou implemento da idade mínima."
Valor do Benefício e Forma de Pagamento
Valor (art. 39, I da Lei 8.213/91):
1 (um) salário-mínimo - valor fixo para segurados especiais que não contribuíram facultativamente
Possibilidade de aumentar o valor:
Se o segurado especial contribuiu facultativamente com alíquota de 20% sobre valor superior ao mínimo, pode receber acima do piso (art. 39, II da Lei 8.213/91)
Data de início do benefício (DIB):
Data do requerimento administrativo (DER), se já tinha idade
Data em que completou a idade, se requereu depois
Pagamento de atrasados:
Valores retroativos à DIB
Prescrição quinquenal: até 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação (art. 103, parágrafo único da Lei 8.213/91)
A Importância da Assessoria Jurídica Especializada
Os pedidos de aposentadoria rural exigem conhecimento técnico específico em direito previdenciário, especialmente na sua vertente rural. Contar com um advogado especializado é fundamental para:
✓ Avaliar a viabilidade do pedido antes de protocolar no INSS
✓ Reunir e organizar a documentação adequada de forma estratégica
✓ Preparar testemunhas para audiências administrativas ou judiciais
✓ Elaborar justificação administrativa quando necessário
✓ Recorrer de decisões desfavoráveis com fundamentos jurídicos sólidos
✓ Ingressar com ação judicial quando o INSS negar indevidamente
✓ Garantir todos os valores retroativos desde a data correta
✓ Evitar erros que possam comprometer definitivamente o benefício
Base legal da atuação do advogado:
Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) - art. 1º: indispensabilidade do advogado
CPC/2015, art. 85: direito a honorários advocatícios em caso de êxito
Lei 1.060/50: possibilidade de assistência judiciária gratuita para quem não pode pagar
Honorários advocatícios:
Em caso de êxito judicial: INSS é condenado a pagar honorários (geralmente 10-20% sobre as parcelas vencidas - Tema 1.076 do STJ)
Possibilidade de honorários contratuais adicionais
Justiça gratuita disponível para quem não tem condições de pagar custas e honorários
Atenção: Golpes e Falsificação de Documentos
CUIDADO: Existe um mercado ilegal de falsificação de documentos rurais. Jamais utilize documentos falsos ou adulterados. As consequências são graves:
Consequências penais:
Crime de falsificação de documento público (art. 297 do Código Penal): pena de 2 a 6 anos de reclusão
Crime de estelionato previdenciário (art. 171, §3º do CP): pena de 1 a 5 anos de reclusão
Responsabilização criminal de quem produziu, intermediou e utilizou o documento
Consequências previdenciárias:
Cassação do benefício se já concedido
Devolução de todos os valores recebidos indevidamente
Impossibilidade de novo pedido de aposentadoria
Cadastro negativo no INSS
O que é legal:
Buscar documentos antigos verdadeiros que a família possui
Solicitar segundas vias de documentos em órgãos públicos
Fazer justificação administrativa ou judicial quando não há documentos (com prova testemunhal idônea)
O caminho é sempre a verdade. Documentos verdadeiros, mesmo que poucos, aliados a testemunhas idôneas, têm muito mais valor do que documentos falsos abundantes.
Conclusão
Se você trabalhou a vida inteira no campo, você tem direito à aposentadoria, mesmo sem ter contribuído mensalmente para o INSS. Esse é um direito constitucional que reconhece a importância e a dignidade do trabalho rural.
A chave do sucesso está em:
Reunir a melhor documentação possível
Preparar adequadamente a prova testemunhal
Contar com orientação técnica especializada
Ser persistente - se negado no INSS, buscar a Justiça
Não deixe seu direito prescrito!
Procure um profissional especializado em direito previdenciário rural para avaliar seu caso individualmente e traçar a melhor estratégia para garantir o benefício que você merece após anos de trabalho duro no campo.





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