PJ com Rotina de CLT: Quando Recorrer à Justiça para Garantir Direitos como 13º, Férias e FGTS
- Vanessa Miranda
- 30 de jul.
- 4 min de leitura
Você trabalha como Pessoa Jurídica, mas tem horário fixo, chefe direto e até usa uniforme da empresa?
Cuidado: essa situação pode configurar pejotização irregular e você tem direitos trabalhistas que podem estar sendo negados indevidamente.
A advogada Vanessa Miranda trouxe esclarecimentos fundamentais sobre essa questão que afeta milhares de trabalhadores brasileiros. O que parece ser apenas uma forma "moderna" de contratação pode, na verdade, esconder uma relação de emprego tradicional disfarçada.
A legislação brasileira é clara: o artigo 3º da CLT define que empregado é "toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário". Isso significa que não importa como seu contrato foi assinado - se você trabalha de forma subordinada, habitual e recebe remuneração, a lei pode considerar você um empregado com carteira assinada, mesmo que formalmente seja PJ. O artigo 9º da CLT vai além e declara nulos todos os atos que tenham como objetivo "desvirtuar, impedir ou fraudar" a aplicação das leis trabalhistas. Em outras palavras: disfarçar uma relação de emprego de prestação de serviços é ilegal.
Quando há vínculo empregatício?
Você pode estar sendo vítima de pejotização se sua rotina inclui horário fixo para entrar e sair, chefe direto que dá ordens e cobra resultados, metas e deadlines impostos pela empresa, uso obrigatório de uniformes ou crachás, trabalho exclusivo para uma única empresa, impossibilidade de enviar substituto e local de trabalho determinado pela empresa. Esses elementos caracterizam uma relação típica de emprego, mesmo que você tenha CNPJ e emita notas fiscais. A lei protege a realidade dos fatos, não apenas os aspectos formais do contrato.
Para a Justiça reconhecer que você é empregado (e não prestador de serviços), precisam estar presentes quatro elementos essenciais: pessoalidade (você precisa executar o trabalho pessoalmente, sem poder enviar substitutos), habitualidade (o trabalho é contínuo, não esporádico), subordinação (você recebe ordens, tem horários controlados e sua forma de trabalhar é definida pela empresa) e remuneração (você recebe pagamento pelos serviços de forma regular).
O Tribunal Superior do Trabalho já decidiu que "é irrelevante o fato de o trabalhador estar inscrito como contribuinte individual do INSS e possuir registro no CNPJ" quando esses elementos estão presentes. Isso ficou claro no caso da coordenadora Danielle Andrade, que trabalhou por sete anos como PJ em um hospital. Seu contrato dizia "prestação de serviços", mas na prática ela usava uniforme obrigatório do hospital, tinha horários rigorosamente controlados, recebia ordens diretas de superiores, trabalhava exclusivamente para aquele hospital e não podia enviar substitutos. Quando foi dispensada, não recebeu nenhum direito trabalhista, mas procurou a Justiça e conseguiu o reconhecimento do vínculo empregatício, garantindo todos os direitos que lhe foram negados durante anos.
Direitos garantidos pela Justiça:
Se a Justiça do Trabalho reconhecer que você era empregado disfarçado de PJ, você terá direito a receber retroativamente todos os benefícios de um trabalhador CLT: 13º salário de todos os anos trabalhados, férias mais um terço não gozadas (com juros e correção), FGTS de todo o período mais multa de 40%, horas extras com adicional de 50%, adicional noturno quando aplicável, registro na carteira de todo o período, aviso prévio se foi dispensado e seguro-desemprego em alguns casos. Todos esses direitos estão garantidos no artigo 7º da Constituição Federal e na CLT. Os valores são calculados considerando todo o período trabalhado, com correção monetária e juros, representando em muitos casos uma quantia significativa.
O que fazer?
Se você se identificou com a situação, o primeiro passo é reunir as evidências, lembrando que a regra é simples: quem alega, prova. Junte tudo que comprovar sua rotina de empregado: e-mails com ordens, cobranças e diretrizes, WhatsApp ou mensagens da empresa, fotos usando uniforme ou no ambiente de trabalho, controles de ponto mesmo informais, escalas de trabalho e cronogramas, testemunhas que presenciaram sua rotina e organograma da empresa se você aparece nele. Em seguida, procure um advogado trabalhista - não tente fazer sozinho. Um advogado especializado vai analisar suas evidências e avaliar as chances de sucesso, muitos trabalham com honorários de êxito, ou seja, só recebem se você ganhar. Por fim, entre com a ação na Justiça do Trabalho, já que a Constituição Federal garante que conflitos trabalhistas são julgados por juízes especializados nesse tipo de situação. Cuidado com o prazo: você tem até 2 anos após o fim do contrato para entrar com a ação e pode cobrar direitos dos últimos 5 anos trabalhados.
A jurisprudência brasileira é farta em casos semelhantes, com o Tribunal Superior do Trabalho já decidindo que "a prestação de serviços de forma pessoal, não eventual, onerosa e subordinada configura relação de emprego, ainda que formalizada mediante contrato de prestação de serviços com pessoa jurídica" (TST-RR-1542-89.2011.5.09.0091). Em outro julgado, o tribunal entendeu que "a contratação de trabalhador por meio de pessoa jurídica, quando presentes os requisitos do art. 3º da CLT, constitui mera simulação para mascarar verdadeira relação de emprego" (TST-AIRR-20831-07.2015.5.04.0741). Isso significa que os juízes já entenderam que não adianta "maquiar" uma relação de emprego com contrato de PJ - se você trabalha como empregado, será tratado como empregado pela lei.
Antes de tomar qualquer decisão, reflita honestamente sobre sua situação. Você provavelmente se enquadra na pejotização irregular se trabalha em horário fixo definido pela empresa, recebe ordens diretas de superiores, usa materiais e equipamentos da empresa, não pode enviar substitutos, trabalha exclusivamente para uma empresa e é tratado como "funcionário" no dia a dia. Por outro lado, você provavelmente é um PJ legítimo se define seus próprios horários, trabalha para vários clientes, assume riscos do negócio, tem autonomia técnica total e fornece seus próprios equipamentos.
A Constituição Federal e a CLT existem para proteger o trabalhador, priorizando a realidade dos fatos sobre contratos formais. Ter CNPJ não significa abrir mão de direitos trabalhistas quando a situação caracteriza pejotização irregular. A jurisprudência consolidada do TST reconhece que milhares de trabalhadores já conseguiram o reconhecimento de seus vínculos empregatícios em situações similares.
Recomendação da advogada Vanessa Miranda: documente sua rotina de trabalho, procure orientação jurídica especializada e, caso se enquadre na situação, não hesite em buscar seus direitos através da Justiça do Trabalho. Os prazos prescricionais devem ser respeitados - você tem até 2 anos após o fim do contrato para ingressar com a ação e pode cobrar direitos dos últimos 5 anos trabalhados.
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